II Simpósio sobre Biologia do Timo e Células T celebrou 40 anos do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo (LPT)

A comemoração reuniu gerações que moldaram a imunologia no Brasil e no exterior,
através das colaborações científicas

No Hotel Prodigy Santos Dumont (Bossa Nova Mall), no Rio de Janeiro, nos dias 8 e 9 de setembro, 134 participantes da comunidade científica revisitaram descobertas, recuperaram memórias e apresentaram resultados recentes que conectaram imunologia básica, biologia celular e molecular a desafios clínicos contemporâneos. O II Symposium on Thymus and T Cell Biology in Health and Disease marcou as comemorações dos 40 anos do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo (LPT), sede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neuroimunomodulação (INCT-NIM), coordenado por Wilson Savino.

Ao longo dos dois dias, o simpósio foi, antes de tudo, um fórum de debate científico: hipóteses foram confrontadas, dados revisitados e implicações clínicas discutidas entre os participantes. Houve também uma sessão de contação de histórias, na qual pesquisadores narraram como conheceram Savino e momentos decisivos vividos com ele no LPT: episódios de bancada, aulas, viagens e parcerias que depois se tornaram linhas de pesquisa. A costura dessas memórias, ora divertida, ora comovente, evidenciou a vocação formadora do laboratório e a cultura de colaboração que sustenta quatro décadas de avanço científico.

A abertura e a memória de quem viu a história acontecer

Para situar o impacto institucional, o evento foi presidido por Adriana Bonomo, chefe do LPT e pesquisadora do INCT-NIM, que conduziu a cerimônia. A mesa de abertura foi composta por Luciana Garzoni, vice-diretora de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC); Alda Cruz, vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB/Fiocruz); e Marcello Barcinski, membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências, que retomaram a trajetória do LPT nesses 40 anos.

“O LPT formou uma geração inteira e, mais do que formar, inspirou. Nas aulas do professor Savino, ancoradas no que se investigava na bancada, aprendíamos a perguntar melhor e a não fugir das incertezas. Celebrar 40 anos do LPT no mesmo ano em que a Fiocruz completou 125 reforçou a responsabilidade pública da nossa ciência. A internacionalização, da França ao Brasil, nunca foi adorno; foi método para fazer ciência de fronteira com impacto real”, destacou Garzoni.

A pesquisadora Alda Cruz recuperou o ambiente histórico que permitiu a emergência do LPT e o lugar que ele passou a ocupar na instituição:

“Em 1985, enquanto o país se redemocratizava, a Fiocruz se reerguia e o IOC reorganizava seus departamentos, inclusive o de Imunologia. A emergência da Aids impunha urgência. O LPT virou rapidamente o laboratório que funcionava em tempo integral, compartilhava insumos e amparava pares. Esse jeito aberto, solidário e formador explica por que hoje é orgulho institucional. Chegar aos 40 anos quando a Fiocruz e o IOC também fizeram 125 dá a medida de uma história que é científica e, ao mesmo tempo, civilizatória.”

Com a experiência de quem acompanhou a virada para a imunologia celular, Marcello Barcinski evocou o início de um campo e a forma de liderança que o sustentou:

“Vimos nascer a imunologia celular quando quase nada se sabia dos linfócitos T. Estudávamos a comunicação entre células unindo biofísica e imunologia. Sobre Savino, repito o que digo há décadas: junta competência e eficiência sem perder a ternura. Liderou com rigor e cuidado com as pessoas, e o LPT encarnou isso. É um laboratório que cobra método e, ao mesmo tempo, reúne gente em torno de perguntas difíceis. A permanência vem daí, de uma ciência que não se afasta de quem a faz.”

Adriana Bonomo, Marcello Barcinski, Alda Cruz e Luciana Garzoni (da esq. para a dir.)

“40 anos em 40 minutos”: a trajetória do LPT

Wilson Savino narrou o início do LPT como uma linha do tempo viva: a fascinação, ainda na faculdade, pelos corpúsculos de Hassall; o doutorado com parte experimental no Hospital Necker/INSERM (Paris), a carta de acolhimento de Jean-François Bach e a parceria decisiva com Mireille Dardenne no estudo da timulina; o retorno ao Brasil em meio à redemocratização e a criação do Departamento de Imunologia no IOC; os primeiros anos do LPT (1985–1986), já com a cultura pioneira de avaliação externa por pares; a internacionalização orgânica que resultou em laboratórios internacionais com o Necker e, adiante, com a Sorbonne; contribuições à vacina de esquistossomose e à imunologia celular; a formação continuada de mestres e doutores; a criação e expansão do INCT-NIM; e a vocação estruturante em programas de formação no Mercosul e em Moçambique. Nos anos recentes, a defesa da vacinação, da educação pública e da ciência como vetores de redução das desigualdades sintetizou a visão do grupo, que também preserva sua memória afetiva, como na homenagem à pesquisadora Juliana de Meis, falecida em 2021.

“A curiosidade sobre o timo me acompanhou desde o começo. No Necker, com a generosidade de Jean-François Bach e de Mireille Dardenne, aprofundei a timulina e entendi que ciência é, antes de tudo, gente reunida para perguntar junto, medir e discordar com honestidade. Quando voltei, quis construir um ambiente onde rigor e caráter andassem juntos. O LPT nasceu assim, como um programa de perguntas, hospitalidade científica e responsabilidade. A internacionalização foi condição de vitalidade. Não era carimbo no passaporte, era resposta compartilhada. O laboratório internacional com o Necker, depois a Sorbonne, a colaboração na SM14, a avaliação externa, os cursos e a pós-graduação que estruturamos, a criação e a ampliação do INCT-NIM. Os números contam parte da história, mas o essencial é que entrou mais gente, e isso transforma um laboratório. O que não muda é o critério: ciência aberta, exigente e a serviço”, destacou Savino.

Quem conduz o presente

Para ligar passado e futuro, Adriana Bonomo descreveu a cultura de gestão que sustenta a longevidade do grupo. Em diversos momentos, durante a condução do evento, ela falou de partilha e de um modo de trabalhar que se tornou assinatura do LPT. “É um prazer imenso estar aqui e liderar este laboratório. Aceitei a chefia porque o LPT é compartilhado: a minha liderança é nossa, da Dani, do Vini e dos estudantes. A Dani está sempre comigo, a melhor adjunta que existe. O que torna uma responsabilidade enorme leve é o nosso jeito de trabalhar: a gente se gosta, se escuta e é sincero um com o outro. O LPT nasceu local e hoje alcança muito além das nossas fronteiras, mas a base nunca mudou: pessoas, caráter, integridade e responsabilidade social. Se chegamos até aqui, é porque o Savino soube unir gente especial que partilha os mesmos sonhos conosco”, frisou.

Dois dias entre memória e fronteira

A sessão de contação de histórias que entrelaçou gerações marcou um momento de emoção durante o evento. Participantes narraram como conheceram Savino e episódios que moldaram a cultura do grupo. A apresentação “Biologia do Timo e das Células T — Seção I” abriu o eixo científico. Geraldo Passos (chefe do Laboratório de Imunogenética Molecular da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FORP/USP) apresentou “O timo como espelho da expressão gênica do corpo”, seguido por Ana Rosa Perez (Universidad Nacional de Rosario/INCT-NIM e diretora do Instituto de Imunologia Clínica e Experimental de Rosario – Idicer), com “Duas décadas de colaboração: insights sobre a funcionalidade das células T e do timo na doença de Chagas aguda e crônica”. Na sequência, Patricia Cuervo Escobar (chefe substituta do Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses do IOC/Fiocruz) discutiu “O timo na encruzilhada da desnutrição e da infecção por Leishmania infantum”. O dia terminou com a sessão de pôsteres, que levou para a vitrine trabalhos de jovens pesquisadores.

Na manhã seguinte, “LPT: o Timo e Além” preparou o terreno para a explanação dedicada à interface entre biologia básica e clínica. Julia Lemos (doutora pela Biologia Celular e Molecular) tratou de “O timo na patogênese e fisiopatologia da Esclerose Lateral Amiotrófica”. As pós-doutorandas Liliane Tenório examinou “Efeitos do TGF-β1 na transição epitélio-mesenquimal em células epiteliais tímicas humanas” e Poliana Capucho abordou “Células T CD4 no neurodesenvolvimento: da imunidade à cognição”. O dia avançou com “Redes além de capturar e matar”, dos doutorandos Barbara Simonson; e com “Coinfecção por SARS-CoV-2 modula a imunidade de células T na doença de Chagas crônica”, de Felipe Xavier; “Avaliação da sinalização de GDF11 na miogênese in vitro”, de Rafaella Reis (pós-doutoranda); e “Perfil morfológico de células T prediz resposta clínica à terapia com natalizumabe em pacientes com esclerose múltipla”, de Beatriz Chaves (doutora pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Computacional e Sistemas do IOC). O conjunto das apresentações costurou um arco que partiu do timo como janela para a expressão gênica e chegou à clínica, com achados capazes de orientar decisões terapêuticas e novas colaborações.

Homenagem em vídeo e cordel

Edla Herculano recitando “O Jovenzinho”

À medida que o simpósio se despedia, o auditório recebeu uma homenagem a Wilson Savino em forma de vídeo, com depoimentos de quem faz o LPT no dia a dia e conhece de perto a história do laboratório e do seu fundador, trajetórias que tantas vezes se confundem. Foi um momento de alegria e emoção. Savino se comoveu e deixou as lágrimas aparecerem ao receber a placa comemorativa dos 40 anos do LPT, sob aplausos longos. Em seguida, Edla Herculano, da equipe de Divulgação Científica do INCT-NIM, recitou o cordel “O Jovenzinho”, escrito por ela, que costurou ciência e afeto com humor e memória. Um trecho resume o espírito da celebração:

“Era aula de histologia e ele tava todo abobado
Pelo corpúsculo de Hassall ficara apaixonado
Queria estudar o timo de tudo quanto que era jeito
E só na França aprendeu a fazer isso direito
[…]
Fundou o LPT, um lugar para amar e viver […]
A matriz extracelular tímica virou história bem brasileira
O Jovenzinho nunca esteve para brincadeira”

O evento foi organizado pelos pesquisadores do INCT-NIM e IOC/Fiocruz: Adriana Cesar Bonomo, Daniella Âreas Mendes da Cruz; Edla Azevedo Herculano; Vinicius Cotta de Almeida e Wilson Savino.

Galeria de momentos

Adriana Bonomo (ao centro) e Daniela Mendes da Cruz entregaram a placa de homenagem a Wilson Savino. Emocionado, Savino recebeu a homenagem que marcou os 40 anos de história do LPT.

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