O ferro, elemento químico abundante na Terra e essencial ao funcionamento do corpo humano, pode ser também um dos protagonistas ocultos por trás de doenças mentais graves. Um estudo publicado na revista Behavioural Brain Research lança luz sobre como a disfunção no metabolismo do ferro está diretamente associada ao desenvolvimento de transtornos como depressão, ansiedade, esquizofrenia e outras alterações, revelando novas perspectivas para diagnóstico e tratamento.

A pesquisa reúne evidências de que tanto a deficiência quanto o excesso de ferro podem provocar desequilíbrios cerebrais capazes de afetar neurotransmissores, fatores de crescimento neuronal e até desencadear a ferroptose, uma forma de morte celular regulada. “Mudanças nos níveis de ferro no sangue e no sistema nervoso central, assim como nas proteínas que regulam o metabolismo do ferro, já foram documentadas em pacientes com depressão, ansiedade e esquizofrenia. Compreender o metabolismo do ferro é essencial para descobrir novos biomarcadores e alvos terapêuticos, além de possibilitar o reposicionamento de medicamentos”, destaca o artigo, do qual participa Christina Alves Peixoto, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neuroimunomodulação (INCT-NIM).
Os resultados mostram que, nos quadros de transtorno depressivo maior, são frequentes alterações nos níveis de ferro no sangue e no cérebro, associadas à inflamação e ao estresse oxidativo. A esquizofrenia, por sua vez, apresenta correlação com acúmulo de ferro em regiões específicas do cérebro, afetando circuitos dopaminérgicos. Nos transtornos de ansiedade, tanto a carência quanto o excesso de ferro estão ligados a alterações em neurotransmissores e hormônios do estresse.
Ao analisar estratégias terapêuticas, o estudo aponta que modular o metabolismo do ferro, seja com quelantes que removem o excesso, seja com suplementação em casos de deficiência, mostrou efeitos positivos em modelos pré-clínicos de depressão, ansiedade e déficits cognitivos. Isso abre caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos e para o reposicionamento de drogas já conhecidas.
Outro ponto de grande relevância é a relação entre ferro e transtornos de ansiedade. Os pesquisadores verificaram que tanto a carência quanto a sobrecarga do mineral podem provocar desequilíbrios nos sistemas de neurotransmissores, afetando dopamina, serotonina e norepinefrina, substâncias fundamentais para o humor e a resposta ao estresse. Esses achados sugerem que o ferro atua como um regulador silencioso da ansiedade, sendo capaz de aumentar ou reduzir a vulnerabilidade do indivíduo de acordo com seu equilíbrio metabólico.
Além dos diagnósticos, a pesquisa oferece novas perspectivas terapêuticas. O uso de quelantes, como a deferoxamina, mostrou resultados positivos na redução de sintomas depressivos e ansiosos em modelos animais. Por outro lado, a suplementação de ferro em casos de deficiência, especialmente no período perinatal e pós-parto, revelou benefícios para a saúde mental, indicando que estratégias opostas podem ser eficazes dependendo do quadro clínico. Essa dualidade reforça a necessidade de abordagens individualizadas, guiadas por biomarcadores de ferro.
O estudo conclui que compreender o metabolismo do ferro é fundamental não apenas para identificar novos alvos moleculares, mas também para promover o reposicionamento de medicamentos já existentes, acelerando o acesso a tratamentos mais eficazes. Essa linha de investigação poderá reduzir a carga social e econômica dos transtornos mentais, que figuram entre as principais causas de incapacidade, e abre um horizonte promissor para a neurociência translacional, ou seja, novos medicamentos, métodos de prevenção ou protocolos de tratamento.