Consumo de paracetamol na gestação causa autismo em crianças?

Em pronunciamento recente, o ex-presidente Donald Trump declarou que o uso de paracetamol durante a gestação poderia aumentar o risco de desenvolvimento de autismo em crianças, recomendando que gestantes evitem o medicamento mesmo em casos de dor ou febre.

A fala repercutiu mundialmente, gerando insegurança entre gestantes e questionamentos de especialistas em saúde. Autoridades internacionais reagiram com cautela: a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmaram que não há evidência conclusiva que comprove a relação entre paracetamol e autismo, reforçando que o medicamento continua sendo considerado relativamente seguro quando usado sob orientação médica.

No Brasil, a Anvisa publicou nota oficial destacando que “não há registros de notificações de suspeitas de eventos adversos que relacionem o uso de paracetamol durante a gravidez a casos de autismo”. A agência ressaltou ainda que o medicamento é classificado como de baixo risco e amplamente utilizado no país.

Para esclarecer a polêmica, a neurocientista, biomédica e coordenadora do curso de Biomedicina da Escola de Saúde (Unisinos), Mellanie Fontes-Dutra, explica que, quando prescrito e acompanhado por um profissional de saúde, o medicamento não oferece risco comprovado. “Sob supervisão do médico responsável e seguindo a prescrição estabelecida, o uso de paracetamol durante a gestação é considerado seguro, especialmente quando comparado com o uso de outros analgésicos no período gestacional. Não há evidências científicas estabelecendo relações causais entre o uso de paracetamol durante a gestação com o risco para transtornos do neurodesenvolvimento, como o transtorno do espectro autista (TEA), entre outros.”

A pesquisadora reforça que estudos recentes citados para embasar a polêmica não possuem solidez científica suficiente para estabelecer vínculos causais. “Os estudos disponíveis que fundamentaram as alegações recentes sobre o uso gestacional de paracetamol e TEA/TDAH são estudos que não possuem metodologias e desenhos experimentais capazes de estabelecer relações causais entre esse uso e esses desfechos. Muitos desses estudos têm vieses ou fatores de confusão importantes que não permitem generalizar tais resultados, como fatores genéticos e/ou familiares que não foram controlados, além da falta de controle de fatores socioeconômicos e ambientais, como estresse materno, qualidade do ambiente familiar, exposições ambientas etc., que são importantes e podem conferir um risco maior para alterações no neurodesenvolvimento.”

Sobre o uso prático, Mellanie lembra que gestantes não devem suspender o tratamento por conta própria, sob risco de agravar a saúde materna e fetal.

“É muito importante que a gestante contate o profissional de saúde que a acompanha em qualquer intercorrência, dor ou anormalidade durante o período gestacional. Se for indicado o uso do paracetamol, é importante realizá-lo dentro da indicação médica, no período e dosagem estabelecido. Dentro desses termos, a gestante pode ficar tranquila quanto a este uso.”

Para a especialista, o debate deve ser pautado pela ciência e não pelo alarmismo. “O paracetamol é reconhecido por entidades internacionais de saúde como um dos analgésicos mais seguros para se usar, dentro das prescrições validadas, durante o período gestacional”, conclui.

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