Vacina LepVax renova perspectivas no combate à hanseníase

Laboratório de Hanseníase (IOC/Fiocruz), coordenado pela pesquisadora Roberta Olmo, recebe o primeiro lote da vacina para teste

A hanseníase continua sendo um grande desafio para a saúde pública, especialmente em países de baixa e média renda como Brasil, Índia e Indonésia. Apesar dos avanços no tratamento, a doença ainda impõe um forte impacto social e econômico sobre comunidades vulneráveis. O artigo “Leprosy”, publicado na Nature Reviews Disease Primers, destaca a necessidade de estratégias mais eficazes para o diagnóstico precoce e a prevenção da hanseníase, reforçando a importância de programas de saúde voltados para populações negligenciadas.

Fig. 1 | Carga global da hanseníase. Em 2023, 182.815 novos casos foram documentados pela OMS em 184 de 221 países e territórios (83%), o que representa um aumento de aproximadamente 5% em comparação com 2022. A maioria dos casos foi registrada em países de baixa e média renda, com Índia, Brasil e Indonésia respondendo por cerca de 79,3% dos casos globais. Dados das refs. 18,306. (Grijsen, M.L., Nguyen, T.H., Pinheiro, R.O. et al. Leprosy. Nat Rev Dis Primers 10, 90 (2024). https://doi.org/10.1038/s41572-024-00575-1)

Entre os autores do estudo, publicado na Nature Reviews Disease Primers, está a pesquisadora Roberta Olmo, do INCT-NIM, coordenadora do laboratório de Hanseníase da Fiocruz, Rio de Janeiro.

O artigo busca oferecer um panorama atualizado sobre a doença, abordando sua epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e manejo. Segundo os autores, o objetivo é contribuir para uma abordagem mais informada e eficiente no enfrentamento da hanseníase, destacando lacunas no conhecimento e prioridades de pesquisa.

A Hanseníase

Também conhecida como doença de Hansen, a hanseníase, é uma doença infecciosa crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae e, em menor escala, por M. lepromatosis. Considerada a segunda doença micobacteriana humana mais comum depois da tuberculose, a hanseniase permanece sendo um desafio para a saúde pública, especialmente em países de baixa e média renda. Ela está presente em mais de 120 países, com Brasil, Índia e Indonésia registrando a maior parte dos casos.

Epidemiologia

Embora a prevalência tenha sido reduzida drasticamente desde a década de 1980, quando havia cerca de cinco milhões de casos anuais, a transmissão ainda persiste. Estima-se que mais de 200.000 novos casos sejam detectados mundialmente a cada ano, e a subnotificação continua sendo um problema significativo. Entre os fatores que perpetuam a doença estão a pobreza, o acesso limitado a serviços de saúde, infraestrutura inadequada e o estigma associado à doença, que impacta tanto os indivíduos afetados quanto suas comunidades.

Transmissão

Os mecanismos de transmissão do M. leprae ainda não estão totalmente esclarecidos. Acredita-se que a transmissão bacteriana por aerossóis provenientes do trato respiratório, de forma semelhante à transmissão de M. tuberculosis, seja a mais provável. No entanto, o contato direto pele a pele e a dispersão de bactérias no ambiente não podem ser descartados como rotas alternativas de transmissão.

M. leprae não é altamente virulento: a maioria dos indivíduos expostos à bactéria nunca desenvolve hanseníase. Vários fatores influenciam a transmissão de M. leprae, incluindo: a carga bacteriana do caso índice (por exemplo, indivíduos com hanseníase lepromatosa eliminam um grande número de bactérias); a suscetibilidade imunogenética do indivíduo; e a duração do contato com a fonte infecciosa. Vale ressaltar que a insegurança alimentar e a desnutrição podem aumentar a suscetibilidade à hanseníase. Isso se aplica tanto a indivíduos com baixo peso e imunidade reduzida quanto àqueles com sobrepeso e distúrbios metabólicos que favorecem a sobrevivência intracelular da micobactéria.

Tratamento

Com a confirmação, o tratamento padrão envolve a poliquimioterapia com rifampicina, dapsona e clofazimina. O esquema é administrado em 6 doses para pacientes com a forma paucibacilar e 12 doses para pacientes com a forma multibacilar. A rifampicina, o fármaco bactericida do esquema, tornou-se a base desse regime medicamentoso. No entanto, novos estudos indicam a necessidade de regimes terapêuticos com maior ação bactericida que possam ser utilizados por um intervalo de tempo menor, uma vez que o tratamento dos pacientes paucibacilares tem uma duração de 6 a 9 meses e dos pacientes multibacilares, de 12 a 18 doses. Em conjunto, tanto a dapsona quanto a clofazimina estão associadas a eventos adversos que comprometem a adesão ao tratamento.

Erradicação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um plano estratégico global com a meta de erradicar a hanseniase até 2030. O objetivo é atingir “zero hanseniase”, ou seja, eliminar a transmissão da doença e reduzir significativamente a incidência de novos casos. Para isso, a estratégia foca em: implementação de planos nacionais para erradicação da doença; ampliação da prevenção e detecção ativa de casos; melhoria no manejo das complicações da doença; e combate ao estigma e garantia dos direitos humanos dos afetados.

Entretanto, os pesquisadores desse estudo apontaram alguns fatores que dificultam na erradicação da doença. Eles verificaram que apesar dos avanços, eliminar a hanseniase até 2030 trata-se de um desafio complexo, pois existe  dificuldade na detecção precoce da doença e no rastreamento de contatos, já que a doença possui um longo período de incubação que pode levar até 10 anos.

Nesse contexto, a pesquisadora Roberta Olmo destaca a necessidade do desenvolvimento de kits diagnósticos mais sensíveis do que os atualmente disponíveis. Segundo ela, uma das principais barreiras é que “a bactéria não cresce em meios de cultura convencionais, o que impede sua manutenção em laboratório e dificulta a criação de modelos experimentais para estudo da doença. Além disso, os bacilos não são detectados nos casos paucibacilares (PB), e apenas 10% das biópsias de nervo de pacientes com a forma neural pura da hanseníase apresentam bacilos. Apesar da eficácia da poliquimioterapia (PQT), o diagnóstico tardio não impede a transmissão. Há ainda casos de recidiva e ausência de métodos considerados padrão-ouro no diagnóstico da doença, o que dificulta o diagnóstico, que é predominantemente clínico, contando apenas com exames complementares, tais como a baciloscopia, a histopatologia, a sorologia, mas nenhum com acurácia para todas as formas clínicas da doença”, explica.

Diante desse cenário, ela frisa que “é urgente o desenvolvimento de testes que possam auxiliar, especialmente, os profissionais da atenção básica”. Como alternativa promissora, Olmo aponta o uso de tecnologias emergentes, como inteligência artificial (IA), machine learning e genômica. “Essas tecnologias emergentes têm o potencial de transformar o controle da hanseníase, permitindo um diagnóstico mais rápido e preciso, tratamento mais personalizado e uma abordagem proativa para reduzir a propagação da doença. No entanto, a implementação dessas soluções enfrenta desafios, como a acessibilidade a tecnologias em áreas endêmicas e a necessidade de treinamento adequado dos profissionais de saúde”, conclui.

Pesquisas

Novas pesquisas contra a doença estão sendo apontadas com uso de vacinas, entre elas, a vacina neonatal contra tuberculose com Mycobacterium bovis Bacillus Calmette-Guérin (BCG), que induz imunidade cruzada contra micobactérias, apotando uma proteção parcial contra a hanseniase. Outra abordagem em estudo é a vacina Mycobacterium indicus pranii (MIP), utilizando o bacilo morto. Estudos clínicos demonstraram que, quando administrada como adjuvante à poliquimioterapia, a vacina MIP promove uma eliminação bacteriana mais rápida e melhora a recuperação dos pacientes.

Além disso, novas vacinas também estão sendo testadas, incluindo a LepVax, que demonstrou segurança e eficácia inicial. Recentemente, o estudo clínico da LepVax foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e será conduzido no Laboratório de Hanseníase (IOC/Fiocruz), coordenado pela pesquisadora Roberta Olmo.

Roberta ressalta que a LepVax foi testada somente na população americana, e os testes ainda estão sendo iniciados no Brasil. “A primeira etapa do ensaio com seres humanos, chamada de fase 1a, foi realizada nos Estados Unidos, com imunização de 24 voluntários sadios. O estudo demonstrou segurança da vacina, sem nenhum registro de evento adverso grave. Também apontou imunogenicidade, ou seja, capacidade de estimular a resposta imunológica. Recentemente, em 26/03/25, recebemos o primeiro lote da vacina para teste em nosso laboratório. O ensaio clínico de fase 1b vai avaliar a segurança e a resposta imunológica da vacina em 54 voluntários saudáveis, utilizando duas dosagens distintas, além de grupo controle com placebo. A eliminação sustentada da hanseníase enquanto problema de saúde pública requer uma vacina. Neste cenário, a LepVax surge como uma vacina profilática e terapêutica, que poderá contribuir para as metas de controle da doença”, finaliza.

Se os resultados dos estudos forem positivos, a vacina para hanseníase poderá, futuramente, fazer parte do calendário nacional de imunizações.

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Imagem de capa da matéria: Instituto de pesquisa Evandro Chagas, IPEC – (Fiocruz Imagens)

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